Passamos agora a transcrever na integra a entrevista que o nosso Roger concedeu à Classic Rock em Dezembro passado.
Do seu álbum Outsider até à digressão com Adam Lambert são muitos os temas abordados nesta entrevista, que recorda a David Bowie e a controversa passagem dos Queen pela Africa do Sul em 1984, Roger nesta excelente entrevista fala também sobre o filme Bohemian Rhapsody.
ENTREVISTA
Tendo lançado há pouco tempo o seu álbum a solo com mais sucesso nos tops e tendo feito a digressão do álbum, Roger Taylor dos Queen está a desfrutar da vida longe do seu ‘trabalho regular’.
Os últimos 18 meses de pânico pandémico e terror existencial têm sido bons para Roger Taylor. Obrigado a fazer uma pausa forçada de andar em digressão com os Queen, o veterano baterista, compositor e vocalista começou a trabalhar no seu estúdio em Surrey durante os primeiros dias de isolamento. Rapidamente um álbum a solo inteiro começou a ganhar forma, Taylor tendo seguido rigorosas regras de distanciamento social, tocou quase todos os instrumentos sozinho.
“Acho que o isolamento acabou por acender uma chama criativa,” Taylor explica. “Eu tinha alguns temas que tinham surgido nos últimos três ou quatro anos, e de repente perdi a cabeça e percebemos que isto poderia dar um bom álbum.”
Lançado em outubro com críticas contidas, Outsider fechou o ano de 2021 com uma nota triunfante para Taylor. O sexto álbum a solo de Roger Taylor chegou ao 3º lugar do top britânico, tendo alcançado o seu melhor posicionamento fora dos Queen. Estas reflexões outonais e pastorais sobre a mortalidade, arrependimento, amor e os ritmos calmos e eternos da natureza atingiram claramente o ponto nestes tempos assolados pelo vírus.
“’Outonal’ é uma palavra muito boa para o descrever” diz o baterista de 72 anos “É ainda levemente mais nostálgico e saudoso e um pouco mais maduro que os meus últimos álbuns.”
Apesar da sua atmosfera melosa de meia-idade, Outsider não está completamente livre de momentos de hard-Rock com Taylor a cantar ferozmente enquanto ‘destrói’ a sua bateria na energética e com inspirações de Blues, More Kicks.
“Oh yeah, ainda consigo ‘partir a louça toda’, acreditem,” diz com uma gargalhada. “Mas gosto de pensar que hoje em dia o faço de uma maneira mais subtil. Talvez não com tanto power, mas com mais técnica. O meu filho Rufus tem todo o power agora. Ele toca nos The Darkness. Ele é possivelmente o baterista mais ruidoso em todo o mundo.”
Outsider chega ao seu clímax com Journey’s End, uma minissinfonia ambígua que é ainda mais longa que Bohemian Rhapsody. Exuberante e cinematográfico, a maioria da paisagem musical deste álbum é rica em ecos de David Bowie, John Lennon e Pink Floyd, mas longe do som clássico dos Queen.
“Eu não tento soar como ninguém,” ele insiste. “Eu não tento soar ou não soar a Queen, eu só quero que seja eu próprio. Mencionaram Pink Floyd que eu adoro e conheço, e Bowie que eu adorei e conheci, e John Lennon, que infelizmente não cheguei a conhecer. Eu não estou a tentar soar a nenhum deles, mas talvez as influências venham ao de cima de maneira subconsciente.”
Por falar em Bowie, Taylor prestou tributo ao seu falecido amigo e colaborador ao cantar uma versão emotiva de “Heroes” durante a sua tour de outubro pelo Reino Unido. Ele revelou recentemente que se pudesse reviver um momento da sua vida, seria o fim de semana que ele e Bowie passaram juntos a terminar a Under Pressure no estúdio em 1981. A maioria dos fãs de Queen já sabem que Bowie participou também noutro tema do álbum Hot Space, Cool Cat, mas mais tarde pediu para que os seus backing vocals fossem removidos da gravação oficial pouco tempo antes do lançamento.
Inevitavelmente, a versão de Bowie foi divulgada online. Contudo, há anos que circulam rumores de que Bowie e Queen gravaram mais músicas juntos e que estas nunca foram lançadas. Por um lado, Taylor confirma que este mito da história do Rock é um pouco verdade. Por outro, a única outra musica de que se lembra de gravar com Bowie foi uma versão em bruto de Criminal World dos Metro uma banda de New Wave pouco conhecida do fim dos anos 70, que Bowie mais tarde moldou com um novo arranjo funk-pop para o seu álbum de 1983, “Let’s Dance”, que foi um êxito dos Tops.
“Eu fiz uma versão com ele da “Criminal World”, que, sinceramente, não ficou grande coisa,” diz Taylor, rindo. “Penso que provavelmente tínhamos bebido demasiado. Depois ele gravou outra versão que saiu no Let’s Dance….Hmmm, penso que não fizemos mais nada. Esta tudo um pouco confuso. Não, de qualquer maneira, não há nada de que me recorde. Atenção que continuo a ouvir falar sobre coisas que me esqueci que tínhamos feito. Teria adorado ter feito mais coisas com o David, porque considero-o uma alegria e um encanto e uma pessoa extraordinária.”
Em contraste com a sua composição de canções quando estava nos Queen, os álbuns a solo de Taylor, nunca se afastaram muito de posições políticas, músicas de protesto e inflamados comentários sociais.
“Nos Queen sempre tentámos ser apolíticos” ele explica. “Mas quando tens a liberdade de te expressar como um único individuo, aí podes dizer o que raio quiseres, o que sempre tentei fazer.”
Ousider segue esta tradição com a autoexplicativa Gangsters Are Running This World, que está presente no álbum com dois arranjos diferentes. A letra mordaz deste tema é direcionada aos ditadores por todo o mundo, desde Putin até Lukashenko e Bolsonaro.
“Nem sequer é política, é apenas analisar os factos,” diz Taylor. “Porque me parece bastante obvio, que atualmente muitos ‘gangsters” estão a dirigir países. E eles não são nada mais do que ‘gangsters’… Estou a falar dos Putins, dos Bolsonaros, todos aqueles países com ditadores de direita terríveis. Eles estão a influenciar as nossas vidas de tantas formas.”
Claro que a posição apolítica dos Queen lhes correu mal no passado. Mais notavelmente em 1984, quando aceitaram uma proposta para tocar nove concertos num Resort ao estilo de Las Vegas, chamado Sun City no Bophuthatswana, uma falsa ‘terra tribal independente’ criada pelo regime de apartheid da Africa do Sul, cujo objetivo principal era atrair bastante dinheiro.
Os Queen estavam apenas a seguir as pisadas de Frank Sinatra, The Beach Boys, Status Quo, Elton John e muitos outros, mas a sua visita atraiu muito mais críticas. Foram criticados pelas Nações Unidas e pela União de Músicos do Reino Unido por quebrarem o boicote cultural, sendo que mais tarde foram envergonhados de maneira implícita pelo supergrupo de estrelas de ‘Little Steven’ Van Zandt, intitulado Artists United Against Apartheid no seu single de êxito de 1985, “Sun City”.
Nos anos que se seguiram, os Queen protestaram defensivamente dizendo que as suas razões ao tocar para públicos com mistura racial foram honráveis, e que poderiam até ter ajudado a ditar o fim do apartheid. Mas atualmente, quase quatro décadas depois, talvez com um olhar em retrospetiva Taylor esteja mais inclinado a admitir que a viagem da banda para a Africa do Sul foi o erro tático.
“Oh raios, como tivemos problemas com isso,” ele recorda. “Não havia apartheid onde tocámos, mas havia no país. Em retrospetiva considero que foi um erro, mas naquela altura fomos apenas uns dos vários artísticas que foram lá – Elton John, Rod Stewart, Barry Manilow. Eles não receberam nenhuma critica, mas nós sim. Nós fomos com a melhor das intenções, sinceramente. Não ganhámos nenhum dinheiro. Lembro-me que o Brian foi para entregar alguns dos prémios no festival Soweto. Fomos com as melhores intenções, mas continuo a achar que foi um erro.”
O ano 2021 marcou o 30.º aniversário da morte de Freddie Mercury mas também o 10.º aniversário da rica colaboração dos Queen com Adam Lambert. Olhando em frente em vez de para trás, a máquina Queen está atualmente a preparar-se para um grande retorno em 2022. A parte europeia da digressão mundial Rhapsody Tour, em pausa desde fevereiro de 2020 irá finalmente seguir em frente na próxima primavera e verão, e irá incluir 10 datas na O2 arena em Londres.
“Ficámos muito frustrados por termos de adiar a nossa digressão dos Queen duas vezes.” diz Taylor. “A nossa última tour foi no extremo Oriente, Austrália e Nova Zelândia, e foi muito divertida. Chegámos a um ponto excelente, com uma produção fantástica, pessoas fantásticas, foi uma digressão tão feliz. E conseguimos sair da Austrália a tempo antes do confinamento, o que foi quase um milagre.”
O atual terceiro ressurgimento dos Queen foi parcialmente conseguido através do sucesso do filme de 2018 Bohemian Rhapsody, que garantiu à banda um novo público nos seus concertos. “Absolutamente” Taylor diz, sorridente. “Vendemos ainda mais bilhetes para os nossos concertos, de repente tínhamos montes e montes de jovens. Porque hoje em dia o Brian e eu já somos seniores.”
Bohemian Rhapsody pode ter recebido algumas críticas mistas ao início, mas rapidamente se tornou num sucesso de bilheteira e ganhou quatro óscares, incluindo um para o espantoso retrato de Freddie Mercury por Rami Malek. Mas antes disso, o filme passou por anos de desenvolvimento tortuoso e revisões de guião.
Tanto Sasha Baron Cohen com Ben Wishaw deixaram o projeto depois de terem sido escolhidos para o papel de Mercury, seguidos pelo despedimento repentino do diretor Bryan Singer a meio das gravações. Contra todas as hipóteses, esta complicada produção tornou-se num imenso êxito comercial tão grande quanto os próprios Queen, arrecadando quase mil milhões de dólares até agora.
“Foi simplesmente fantástico,” diz Taylor. “Tudo o que resultou do filme foi positivo. Foi maravilhoso. Sinto que quando estávamos a olhar para todos os dezassete guiões, acabámos por acertar no fim. O equilíbrio está certo. Queríamos levar as pessoas numa jornada, faze-los sentir bem e mal, depois felizes no fim.”
Se o Baron Cohen tivesse permanecido no papel principal, o Bohemian Rhapsody poderia ter sido bastante diferente. Apesar de oficialmente ter deixado o filme a bem, Taylor não conteve as suas palavras sobre as limitadas capacidades de representação da estrela de comédia.
“Acho que teria sido uma grande porcaria!” diz rindo-se. “O Sasha é ousado, se nada mais. Ele é também seis polegadas alto de mais. Mas vi os seus últimos cinco filmes e cheguei à conclusão de que ele não é um ator muito bom. Posso estar errado, ha! Achei que ele era um comediante subversivo completamente brilhante, é nisso que ele é bom. De qualquer forma, penso que o Rami fez um trabalho brilhante num papel quase impossível.”
Muitas das críticas direcionadas ao Bohemian Rhapsody foi por ter sido usada demasiada licença dramática com a história dos Queen. Uma dessas opções duvidosas foi terem avançado a data em que Mercury contou aos outros membros da banda que era HIV positivo para conseguir uma maior tensão dramática para a sua performance no Live Aid, para alguns esta foi uma distorção cínica que foi demasiado longe.
“Não ficcionou a história verdadeira, apenas nos detalhes,” Taylor protesta. “Como disseram, mexeu com a linha temporal. Mas quando estás a fazer um filme, que tem aproximadamente 100 minutos, tens de mexer na linha de tempo para o fazer funcionar. O filme tem de funcionar, é essa a prioridade. Nem os documentários se prendem com uma linha de tempo absoluta, tem de ser exprimida e ajustada e alterada para que possa funcionar. É um raio de um filme! Não pretende ser um documentário.”
Qualquer pessoa que tenha apanhado a digressão dos Queen + Adam Lambert saberá que estes veteranos do Glam-Rock continuam a puxar a exibição e o espetáculo além de todos os limites. Lambert mostra-se como um natural substituto do século XXI para Mercury, canalizando o famoso carisma eletrificante deste showman sem se tornar numa imitação de karaoke. Taylor e May até tentaram gravar novo material com o novo vocalista em Nashville, o qual continua incompleto, mas Taylor espera termina-lo eventualmente.
“É uma alegria trabalhar com o Adam,” diz Taylor. “A minha honesta opinião é que o Adam é um dos melhores cantores do mundo, senão o melhor. Não conheço ninguém que consiga cantar da maneira como ele canta. Para o Brian e para mim é simplesmente uma combinação feliz. Nunca pensámos que conseguiríamos encontrar alguém que se aproximasse do Freddie, mas encontrámos.”
Agora que Charlie Watts lamentavelmente partiu e que Phil Collins se encontra demasiado frágil para pegar nas baquetas, Taylor é quase que um porta-estandarte Ansião solitário no Rock britânico atual, um último numa longa linhagem de cavalheiros bateristas veneráveis. Aos 72 anos, ele reconhece que a reforma é uma opção iminente, mas uma que não irá ainda ter em consideração. Com um álbum de êxito acabado de lançar e uma grande digressão dos Queen no horizonte, ele está demasiado ocupado a desfrutar do seu poderoso outono para se preocupar com o sombrio inverno.
“Duvido que continue a fazer isto durante muito mais tempo, mas ainda o consigo fazer, então é algo que já aceitei realmente,” diz ele, “E quero que todos desfrutem.”
Fonte: Louder Sound