No passado dia 16 de Novembro, Brian May deu uma entrevista à revista Variety, que poderão ver abaixo.
Com o lançamento da box set de The Miracle – uma reedição alargada com 8 discos, do álbum de 1989 – os fãs não terão apenas acesso a temas nunca lançados, mas poderão espreitar o processo de trabalho da icónica banda.
Enquanto que a edição de colecionador inclui temas como Face It Alone e Too Much Love Will Kill You (que seria suposto integrar o álbum, mas que foi removida em cima da hora), o grande bónus desta box são os diálogos das sessões de gravação de 1988. Ouvir o riso, as provocações e queixas, durante a criação de The Miracle – gravado depois do diagnostico de HIV de Freddie. Ouvir estes momentos produz um prazer comparável a ver o documentário dos Beatles Get back, produzido por Peter Jackson e à sua riqueza de brincadeiras saudáveis e bem-humoradas.
"Ao ouvir os nossos diálogos no The Miracle, sinto como se estivesse no meio das nossas sessões – descobrindo alegria, descobrindo frustração” diz o guitarrista dos Queen, Brian May, quando telefona de Londres. "Essa era a intenção: convidar as pessoas para o ambiente do nosso estúdio nesse ponto no tempo."
Mas The Miracle não é a única coisa na mente de May – abaixo ele menciona uma possível digressão de Queen (mais) Adam Lambert em 2023 e fala sobre o lançamento de uma versão alargada do seu EP Star Fleet Project lançado em 1983 com Eddie Van Halen.
May fala também carinhosamente sobre Brendon Urie dos Panic! At The Disco e do baterista de Foo Fighters, Taylor Hawkins – cujos recentes concertos memoriais contaram com a presença do guitarrista dos Queen – bem como sobre o espanto que continua a sentir quando confrontado com os talentos do seu amigo – Freddie Mercury.
Entrando no The Miracle, os quatro decidiram, que daí para a frente, iriam partilhar os créditos de forma igual. Essa era uma estreia. O que levou a banda a essa decisão?
Foi uma decisão interna, parte do nosso processo de crescimento, penso eu. Nós percebemos, cada vez mais, que o facto de sermos competidores era bom para a nossa criatividade, mas muitas vezes era prejudicial para tomarmos as decisões certas e conseguir o máximo uns dos outros. Então, decidimos partilhar os créditos de escrita e fez uma grande diferença para nós. De repente, não parecia que estávamos a trabalhar no bebé de outra pessoa. Estavas a trabalhar em algo partilhado, no qual todos tinham algum interesse. Deu-nos uma nova energia, acendeu uma nova chama no nosso processo criativo.
Este novo processo criativo começou no final de 1987, um ano em que a banda começou a considerar onde estava, mentalmente e fisicamente. Como eram as discussões inciais?Onde estavam as vossas cabeças, ou a do Freddie, nesse ponto?
É difícil levar a minha mente de volta a essa altura. Eu sei que tínhamos tido uma grande aventura fora da banda antes daquele momento. E estamos todos preparados para colaborar, e tirar total partido do facto de sermos maiores juntos do que a soma das nossas partes. O escrever juntos era uma coisa, mas nós percebemos o quão bem tínhamos trabalhado juntos. Aquela química, era rara, preciosa e não era algo que poderias ter montado artificialmente. Pela graça do senhor, nós tínhamo-nos encontrado com talentos que se complementavam. Então coisas como Was It All Worth It são bastante interativas de uma maneira em que não tínhamos sido durante anos. Nós apenas nos lançámos, ficámos muito entusiasmados e divertimo-nos.
Então, os Queen de 1987-1988 eram apenas quatro rapazes a improvisar à volta de um microfone?
Absolutamente. Totalmente interativo. Todos na mesma sala ao mesmo tempo. Foi muito entusiasmante. Houve muitas coisas que fizeram com que parecesse a altura em que estávamos a gravar o primeiro álbum. Muitas contribuições. As coisas cresceram no estúdio. A box destaca isso porque ouves o processo criativo – nós estamos a dar tudo – de outtakes significativos, letras alternativas, tentativas de solos diferentes e takes vocais, a quantidade de discussões saudáveis. Ouves a sua evolução. E há um álbum inteiro do que poderia ter sido, em oposição ao que se tornou.
Vocês incluíram as brincadeiras e diálogos das sessões como parte da Box de “Miracle”, mostrando o processo dos Queen nos bastidores de uma forma que faz lembrar o “Get Back” de Peter Jackson. Os quatro a falar de uma maneira tão pessoal é uma escuta comovente.
Essa é uma boa comparação. Eu gostei de ver o “Get Back”, e ouvir as conversas dos Beatles. Agora, ouvir os nossos diálogos no “The Miracle”, sinto como se estivesse no meio das nossas sessões – descobrindo alegria, descobrindo frustração. Essa era a intenção: convidar as pessoas para o ambiente do nosso estúdio nesse ponto no tempo.
“Face It Alone” com Freddie Mercury foi o primeiro tema da box de “The Miracle” a ser lançado, e é surpreendente ouvir o quão em bruto ele era. Do que te lembras sobre a gravação desse tema?
Muito pouco. Eram fragmentos entre muitos outros fragmentos naquela altura, ou talvez outras canções estavam a chamar-nos mais à atenção. Eu lembro-me do som da melodia… ficou presa na minha cabeça. Foi feita incrivelmente rápido. O Freddie provavelmente escreveu as suas palavras de manhã, e estava a trabalhar na canção com o seu estranho teclado. Nem me lembro de tocar guitarra nela, para ser honesto. Provavelmente, estava só a tocar algo que nos levasse ao próximo verso, algo para encher (o tema).
Então, a vossa equipa de engenharia de som, montou elementos para conseguir completar “Face It Alone”.
Sim. Resistimos à tentação de ir lá e fazer uma parte comigo a tocar novos trechos na guitarra. Resistimos também, à tentação de o tornar no épico que se poderia ter tornado. Poderia ter sido transformado numa maior construção. Mas queríamos entrega-lo o mais simples possível. Como podem ouvir, é muito em bruto, como muito pouco na pista… tão poupado quanto possível. Há sítios em que os rapazes resgataram uma palavra ou frase para aparecer no verso, o que faz sentido – o Freddie gravou três takes – mas é isso.
Quando a versão que ouvimos foi terminada e apresentada a ti, qual foi a primeira coisa que te passou pela cabeça?
Os rapazes fizeram-me uma surpresa, por isso fiquei bastante emocionado. Tudo o que conseguia ouvir eram as cordas vocais de Freddie, a trabalhar tão esplendidamente e apaixonadamente…. Sim, eu estava bastante emocionado. Foi como se ele estivesse aqui, e tu percebesses, novamente, o enorme talento que tinha. Um ser humano tão incrível com um instrumento extraordinário.
A box agora inclui “Too Much Love Will Kill You,” que era originalmente parte do alinhamento de “The Miracle,” até ao último minuto. O que aconteceu?
Era parte do alinhamento até termos entrado numa grande disputa sobre a publicação. Observa, eu tinha-a escrito originalmente com outras pessoas fora da banda. Podes escrever um livro sobre isso, como a escrevi para o meu álbum a solo, o Freddie adoro-a. E quando a trouxe para a banda, os outros também a adoraram. Mas, de repente, particularmente o Freddie, não queria receber um 1/16 da publicação. Algo que eu entendo, então atingimos um impasse e metemos o tema na prateleira. Na box, restauramos o seu vinil para a maneira como era suposto ser. É, contudo, apenas agora que percebo o que se deveria estar a passar dentro da cabeça dele. Neste ponto no tempo, não sabíamos que ele estava a fazer tratamentos. Provavelmente estava. Poderia estar associado com o Freddie falar sobre demasiado amor estar a matá-lo. As músicas assumem significados diferentes para pessoas diferentes em alturas distintas.
Considerando que há ainda outros álbuns dos Queen que ainda não receberam o tratamento de box set com raridades, é justo dizer que há ainda outros tesouros que ainda não foram ouvidos e lançados?
É possível. Não sabemos realmente até voltarmos lá. Eu não teria previsto que teríamos tanto material não lançado do “The Miracle”, como se provou. Suponho que iremos encontrar muitos mais tesouros escondidos, sim.
Brendon Urie dos Panic! at the Disco fez uma performance famosa de “Bohemian Rhapsody” num espetáculo ao vivo. Eles contactaram-no, por e-mail, dizendo o quão próximas as suas novas músicas “Star Spangled Banger” e “God Killed Rock and Roll” eram dos Queen, e quão profunda a vossa influência era para a banda deles. Podes falar-nos sobre essa correspondência?
Posso apenas dizer que admiro aqueles rapazes. Eles têm um grande talento, e é um grande elogio para nós que eles nos incluam como uma influência e que nos absorvam na sua própria obra. Deixa-me muito feliz. Há um sentimento similar com os Foo Fighters. Esse é o derradeiro elogio, que uma banda queira tocar o nosso material, absorve-lo e fazer algo novo a partir dele.
Eu estava preparado para evitar discutir os Foo e o Taylor Hawkins com receio que te pudesse deixar em baixo – mas a vossa participação daqueles tributos foi uma forma de agradecer a Hawkins e aos Foo Fighters.
Definitivamente, sim. Eles são como uma família para o Roger e para mim, o Taylor Hawkins era o elo de ligação – o rapaz que me ligava sempre às 3 de manhã. Tenho saudades dessa chamada. Sempre cheio de entusiasmo. “Hey Brian, devias aparecer por aqui e fazíamos uma jam.”. De todas as pessoas que partiram demasiado novas, ele é o que deixará mais saudades.
O próximo ano marca os 12 anos desde que Adam Lambert se tornou parte dos Queen. Gravaste “Lucy” no álbum de 2015 “The Original High” de Lambert. Depois de todo este tempo, há alguma chance de tu, o Roger e o Adam gravarem uma nova música juntos, e irão vocês os três andar em digressão em 2023?
Há uma grande possibilidade de partirmos em digressão juntos novamente. Estamos a falar sobre isso, enquanto eu e tu estamos a falar, a tomar essas decisões. Agora, começa a ser uma decisão maior à medida que ficas mais velho. Já não tenho 35 anos, e deixar a minha casa durante dois meses não é fácil. Mas sentimos que se estivemos todos bem e em forma, que gostaríamos de sair mais uma vez. Provavelmente seria nos Estados Unidos da América em algum ponto em 2023. Espero que isso aconteça, mas há uma forte possibilidade. Quanto à nova música? Tenho de te dizer que ainda não aconteceu, mas o assunto vem à tona. Geralmente, quando estamos juntos, os espectáculos ao vivo consomem tudo. Não há realmente tempo para discutir nenhuma ação em estúdio. Sentimos que os espectáculos ao vivo são o que o público quer. E quando não estamos em digressão, o Adam tem a sua própria carreira – ele já me mostrou algum material em que está a trabalhar para o próximo álbum, e é extraordinário. Então, eu suponho que a oportunidade para fazer um álbum juntos não apareceu, mas não estou a dizer que não poderia acontecer.
OK, então vocês os três não estão a gravar um álbum de Queen. Há mais algum álbum a solo de Brian May no horizonte?
Estou a trabalhar na box set de “Star Fleet”, que é o nº.3 nas Brian May Gold Serie (sendo que os primeiros dois foram as box sets de “Back To The Light” e “Another World”) e provavelmente será lançado a meio do próximo ano.
Referes-te aos temas de 1983 que fizeste para a série de ficção científica com fantoches “Star Fleet”?
Sim. E estou muito entusiasmado com ele, já que ao abrir estas tapes estou numa jam com o Eddie Van Halen e com o Phil Chen. É altamente emocional, novamente, porque o Ed já não cá está. Nem o Phil. E eu tenho estado a falar com o Alex (Van Halen) e comecei a pensar sobre como eu gostaria de me ter mantido mais próximo do Ed. Tenho imensos remorsos sobre isso. Ele era uma alma maravilhosa – um Peter Pan que nunca cresceu, nunca quis crescer e que nunca deveria ter crescido. Ele ainda deveria estar connosco. Ao ouvi-lo, a ele e a mim, eu senti-me completamente ultrapassado por ele em estúdio. Mas numa maneira muito agradável – que felicidade para mim estar perto de um rapaz que conseguia fazer tudo aquilo. Que privilégio. Então, irão ouvir-nos no estúdio em duelo. Nunca fui muito fã da mistura original de “Star Fleet”, o single, então demos-lhe uma limpeza. Agora, o som do EVH está incrível. Irão ouvir o desenvolvimento do solo do Eddie, que sempre considerei uma das melhores coisas que ele fez… um clássico realmente imortal de Ed Van Halen. E ainda mais do que em “The Miracle”, vamos dar-vos tudo. Todos os takes de todos os temas. As coisas que correram mal, os risos, a descoberta de novas coisas para fazer.
Fonte: Variety